sexta-feira, 7 de março de 2008

REVOLTAS NO MUNDO ÀRABE – O QUE VEM DEPOIS... Artigo / Junho de 2011

PONTO DE VISTA.

Como o mundo inteiro, temos acompanhado com grande interesse os acontecimentos que vêm se desenrolando em todo o mundo árabe, tendo o povo como principal protagonista das ações que levaram à queda ou a flexibilização de ditaduras, de estruturas de poder arcaicas e corrompidas pela ineficiência e pela corrupção, sem contar o cerceamento das liberdades individuais, até então vigente, característica fundamental de todo regime de força, cuja autoridade nega a soberania popular, ao invés de dela derivar.

Regimes como o egípcio, de quase trinta anos, como o da Tunísia, uma ditadura de 32 anos, que foram derrubados; e aqueles que estão sendo contestados como o do Marrocos, o da Síria e, o mais violentamente combatido, o de Muamar Kadafi, na Líbia, com seus 42 anos de permanência, fazem parte de um personalismo, padrão entre os árabes desde 50 anos atrás; não encontram mais apelo popular, baseado nas bandeiras que defendiam, como o pan-arabismo, muito devido à evolução dos anseios das sociedades dos seus respectivos países, provocada, principalmente, pelos meios de informação atuais, como celulares e internet, que com suas redes sociais, que os ditadores têm dificuldade em censurar, deram voz e corpo ao “arrastão” de mudanças políticas que grassa na região, iniciado no Egito em janeiro deste ano.

Sabemos que muitas das mazelas que geraram esta imensa revolta popular, têm origem na própria cultura árabe, tradicionalmente, patriarcal ao extremo, concentradora de riqueza nas mãos de muito poucos, organizada em estruturas de poder nem um pouco democráticas, ligadas às questões religiosas que quando não criaram, aprofundaram divisões internas tão intensas, que geraram um número significativo de movimentos radicais fundamentalistas, que fizeram com que o mundo não-islâmico identificasse o Islã com radicalismo e terrorismo.

Após a Segunda Guerra Mundial, quando ocorreu o processo de descolonização da África e da Ásia, nos novos países árabes resultantes deste processo instalaram-se, na sua maioria, monarquias que retornavam às formas de poder dos antigos califados, inspirados, além de no próprio profeta Maomé, em governantes autocratas como Harum Al Rachid, o famoso califa de Bagdá das Mil e Uma Noites e que permanecem no governo até hoje, como na Arábia Saudita, Jordânia (antiga Transjordânia) e no Marrocos, por exemplo.

Nos países onde as monarquias eram absolutamente corruptas, como no Egito e Iraque principalmente, houve a deposição de seus reis por jovens militares cheios de idéias reformistas confusas e com exacerbado nacionalismo, utilizado para manobrar seus povos através da identificação de um inimigo externo comum, ou seja, o Estado de Israel, também recém-criado. No entanto, estes novos donos do poder mantiveram intactas as estruturas econômicas e sociais excludentes que existiam há séculos e se tornaram eles mesmos ditadores, corruptos e distantes da realidade de seus concidadãos.

O grande exemplo deste novo tipo de governante deste período foi Gamal Abdel Nasser, que junto a outros como Anwar El Sadat, patrocinou uma política nacionalista agressiva, tentou medidas de impacto político e econômico, como a nacionalização do Canal de Suez, e fez afagos ao socialismo com a criação da efêmera República Árabe Unida, que juntava o Egito com a Síria, mas, na realidade, perdeu as guerras contra Israel e não modificou em nada a situação de penúria do povo egípcio. Seu sucessor, Sadat, começou dentro da mesma linha política, mas após nova derrota para Israel com a perda da vida do seu filho, piloto da Força Aérea Egípcia, redefiniu a sua política e pagou com a vida por isso.

É justo neste ponto que entra em cena Hosni Mubarak. Como sucessor de Sadat, Mubarak teve a oportunidade que nenhum líder egípcio antes dele teve, de realizar um amplo programa de reformas, apoiado pelos investimentos americanos, europeus e Israelenses que começavam a chegar ao país. Mediante estes investimentos, o Egito conseguiu crescer como nunca antes visto, mas, sem distribuição de renda, sem investimento em indústria e no fortalecimento da agricultura, e, principalmente, sem investimentos na qualificação profissional dos jovens, em habitações populares e em saneamento básico. Mubarak, no seu estilo “Déspota Esclarecido”, também pouco fez em relação à condição feminina no Egito, pois, só como exemplo, a primeira escola técnica para mulheres no Egito, só foi aberta em 2005, financiada pelo governo israelense, sem contar o acesso restrito das mulheres às universidades, procurando assim agradar aos setores islâmicos mais radicais no país.

Não é preciso dizer que, após trinta anos, o governo, por mais que tentasse, não seria capaz de conter a massa insatisfeita, que se organizou para a reivindicação dos seus direitos sociais e políticos através dos meios de comunicação disponíveis num mundo globalizado, que são a telefonia celular e a internet.

Tomamos o exemplo do Egito, não apenas pelo fato deste país ser o maior, mais rico e, estrategicamente falando, o mais importante dentro do contexto islâmico, mas em razão de neste país, ter se iniciado o processo, que segue o mesmo padrão nos outros países árabes, já chamado de “Primavera do Cairo" ou “Primavera Islâmica”, numa clara analogia com a “Primavera de Praga”, deflagrada por Janos Kadar, em 1968, que liderou a luta popular na Tchecoslováquia por reformas e liberdades políticas, reprimida pelos tanques soviéticos.

Não se pode esquecer o papel do ocidente na criação desta situação, pois aqueles agora rotulados como ditadores, num passado bem recente, eram tidos como homens de pulso forte que evitavam que seus países caíssem nas mãos dos radicais islâmicos, como aconteceu no Irã.

No último meio século, o ocidente encarou o Oriente Médio como um grande “Showroom” de poços de petróleo, numa política fundamentada nas seguintes bases: “mantenham os poços e refinarias funcionando, os preços em níveis razoáveis, não perturbem muito Israel, e, no que nos diz respeito, podem governar como quiserem”.

Este “governar como quiserem” foi um salvo-conduto ocidental para que os povos destes países não tivessem seus direitos civis, a corrupção se tornasse uma norma, a intolerância religiosa pudesse ser apregoada dos minaretes das mesquitas, para que, de modo a aquietar o povo, a imprensa publicasse toda a sorte de teorias conspiratórias do ocidente contra o Islã, as mulheres fossem mantidas no analfabetismo e para que os jovens não recebessem a educação que merecem.

Esta atitude, levou ao isolamento árabe dos processos de renovação histórica, vividos pelo resto do mundo globalizado, nos últimos 50 anos, com governos de reis e ditadores que seguiam o estilo e as políticas descritas acima, com a conivência das políticas imperialistas dos Estados Unidos e da Europa.

O relatório das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento humano no mundo árabe foi profético em relação a tudo isto, mas foi boicotado pelos governos árabes e ignorado pelo ocidente, definiu os três grandes gargalos do Islã: os déficits educacional, de liberdade e de poder às mulheres.

Fora o Egito, o caso que mais chama a atenção é o da Líbia, pois seus dois milhões de barris/dia de petróleo, já provocaram uma intervenção militar ocidental, mas o governo de Kadafi ainda resiste, e a situação está totalmente indefinida, como indefinido está todo o futuro do mundo árabe.

A tampa da panela de pressão desta região do mundo está sendo tirada agora, lembrando que a região tem frágeis instituições, uma sociedade civil muito fraca, e nenhuma tradição democrática, frisando que foi a combinação de alta dos alimentos, com uma juventude sem emprego e sem perspectiva e redes sociais que permitiu a organização dessa juventude contra seus governantes, vencendo a barreira do medo que sempre se interpôs entre eles; a causadora de tudo o que está acontecendo, considerando que podemos elencar 100 lições políticas das revoltas do mundo árabe do início deste ano, nos restringindo ao papel de observadores, através da comunicação via rede mundial, mas ninguém, em sã consciência, pode arriscar nada sobre o futuro desses países, ninguém pode dizer o peso do fundamentalismo islâmico nos desdobramentos deste processo, enfim, ninguém, como nós, pode prever o que vem depois.

O fato destes levantes em cadeia terem ocorrido sem ter a frente um líder carismático, e sim impulsionadas pela indignação de seu povo contra os regimes que a décadas praticam atos de tirania e corrupção e que teve como ponto central a ância por mais liberdade ameaçam se ampliar, nos faz acreditar que o processo futuro de organização dos anseios que motivaram as manifestações seja demorado, podendo provocar agitações e embates com um cenário de resultados imprevisíveis. Diante disso, os partidos locais devem se organizar de modo a canalizar os anseios da população, evitando a estagnação ou radicalização do processo que pode ser explorado pelos radicais islâmicos, em particular pela irmandade mulçumana.

Sem querer especular, é fácil prever que a vizinha China, com seu governo de partido único, e que exerce uma repressão implacável a liberdade de expressão, com um controle forte aos meios de comunicação, e um monitoramento do uso da internet que deverá ser reforçado mediante os acontecimentos nos países vizinhos, esteja com uma certa dose de preocupação face a “onda democratizante que sacode o estagnado mundo árabe”. Cabe ressaltar que a situação chinesa difere dos países islâmicos, pela prosperidade econômica e social que o país tem alcançado nos últimos anos, fato que alivia as tensões sociais. O tempo irá nos revelar a amplitude dessas mudanças.

Amaury Cardoso.

e-mail: amaurycardosopmdb@yahoo.com.br

Blog: www.amaurycardoso.blogspot.com

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