O patrimonialismo no Brasil tem causado consequências
profundas no processo de condução dos governos brasileiros. Partindo desta
constatação entendo que uma das características que se espera que o Estado
moderno desempenhe é o que diz respeito ao desenvolvimento de uma burocracia
eficiente e transparente, destituída de interesses particularistas. No entanto,
na realidade, e na visão de alguns estudiosos sobre o tema o que se constata é
que o sistema político brasileiro continua a exibir traços patrimonialistas
dentro dos quais tem se verificado a proliferação de mistificações auto
justificáveis que permitem às classes políticas boicotar reformas que visem
estabelecer um contrato social mais eficiente, constrangendo, desse modo, uma
melhor distribuição da riqueza e a constituição de uma cidadania plena.
Nestas circunstâncias, os cidadãos de maneira geral descreem
nas instituições políticas e nos gestores públicos e, consequentemente tentam
negociar suas demandas diretamente com o “poder”. Assim, tendo em vista o
imediatismo exigido pelas pessoas para o atendimento de suas necessidades
essenciais, se cria um cenário para o ressurgimento de práticas políticas que
inibem o desenvolvimento democrático. Uma dessas práticas é justamente o
patrimonialismo.
Este tipo de prática estabelecido entre Estado e sociedade,
em pleno século XXI, onde se continua a observar o uso do Estado e de recursos
públicos por parte dos gestores públicos, como dispositivo de dominação e
subserviência política. Estas práticas patrimonialistas criaram raízes
culturais no Estado brasileiro, determinando a formação, desenvolvimento e o
modo de funcionamento de nosso Estado e burocracia.
É evidente que esta prática não é nova, pois a prática
patrimonialista remonta à época de Max Weber, quando elaborou as fórmulas de
dominação existentes no sistema político. Para Sérgio Buarque de Holanda e
Raimundo Faoro, existem três formas de dominação: 1- dominação legal; 2-
dominação tradicional e 3- dominação carismática. Para efeitos deste artigo,
enfatizo o significado e consequência do Estado moderno, dos resquícios de uma
dominação tradicional, a qual se materializa na direção patrimonialista.
Destaco que este conceito se refere a uma estrutura política
de relações sociais típicas, as quais se constituem no prolongamento dos
poderes do patriarca familiar. De acordo com Max Weber, o patrimonialismo não
conhece nem o conceito de competência, nem o de alteridade ou magistratura no
sentido moderno, principalmente pelo fato de que o processo de apropriação da
coisa pública num sentido familista se difunde. A burocracia, em geral, assume posições de gerenciamento da
coisa pública e dos recursos públicos como se propriedade privada e familiar
fosse.
O conceito de patrimonialismo é desenvolvido por Raymundo
Faoro, um dos principais pensadores da política brasileira, que tem o entendimento
que o atraso político brasileiro no ponto de vista da incorporação da sociedade
civil, tem a ver com a forma de
estruturação da burocracia no país. Fruto do avanço sistemático do poder
político no controle da economia e da diferenciação social, o patrimonialismo
estatal destruiu a institucionalização dos direitos individuais.
Este conjunto de fatores da sociabilidade brasileira
propiciou, segundo Sérgio Buarque de Holanda, o estabelecimento de quatro
elementos que caracterizaram a organização social brasileira: ausência da
tendência de autogoverno, a qual significava a ausência de solidariedade
comunitária e de maneiras espontâneas de auto-organização política; virtudes
inativas, ou seja, o ser social não reflete ativamente para transformar a realidade
mas procura uma razão externa à sua existência; é razão reflexiva, a qual
provoca um pensamento que impede rompimentos, sustenta uma consciência
conservadora e um domínio dos interesses pelas paixões.
De acordo com essa concepção, a sociabilidade brasileira
nasceu influenciada pela pirâmide familiar, tendo como fundamentos a
organização patriarcal, a fragmentação social, as lutas entre famílias, as
virtudes inativas e a ética da aventura. Originalmente, o caudilhismo e,
posteriormente, o coronelismo, que implicava a existência de lideranças
carismáticas, substituíam a racionalidade dos interesses individuais e
estabeleciam a matriz sobre a qual a organização social e as fundações da
política e do Estado foram delineadas.
Com efeito, na medida em que as relações afetivas ou
familiares precederam a constituição do espaço público, o poder incorporou uma
dimensão personalista em que o carisma-onipotente e a dependência do homem
comum geraram uma atitude instrumental em relação à política.
A base da estrutura de atitudes e comportamentos políticos,
neste tipo de sistema político, se dá num sentido pessoal. Desse modo, o
patrimonialismo produz uma práxis
política dos representantes eleitos que somente se interessam pela sorte e bem-
estar daqueles que dele dependem, pois desses grupos dependem sua sobrevivência
política.
Quando o gestor público usa os recursos de maneira
patrimonialista, a tendência à geração de figuras chamadas de “salvadores da
pátria”.
No Brasil ainda persistem práticas de caráter patrimonialista,
produzindo uma cultura política que mistura relações políticas de natureza
pessoal com estruturas razoavelmente eficientes de mediação política.
A entidade privada precede sempre a entidade pública. O
resultado é a prevalência de sentimentos próprios à comunidade doméstica,
naturalmente particularista a antipolítica, uma invasão do público pelo
privado, do Estado pela família, segundo a visão de Sérgio Buarque de Holanda.
Concluo com a afirmação de que nossas instituições públicas
são tomadas pelos governantes como algo de interesse próprio, com finalidades
pessoais e particulares, diferentemente do ideal da burocracia expressado por
Weber.
Amaury Cardoso
Nenhum comentário:
Postar um comentário