sábado, 8 de outubro de 2016

O PATRIMONIALISMO E A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO - ARTIGO: SETEMBRO/2016.


O patrimonialismo no Brasil tem causado consequências profundas no processo de condução dos governos brasileiros. Partindo desta constatação entendo que uma das características que se espera que o Estado moderno desempenhe é o que diz respeito ao desenvolvimento de uma burocracia eficiente e transparente, destituída de interesses particularistas. No entanto, na realidade, e na visão de alguns estudiosos sobre o tema o que se constata é que o sistema político brasileiro continua a exibir traços patrimonialistas dentro dos quais tem se verificado a proliferação de mistificações auto justificáveis que permitem às classes políticas boicotar reformas que visem estabelecer um contrato social mais eficiente, constrangendo, desse modo, uma melhor distribuição da riqueza e a constituição de uma cidadania plena.

Nestas circunstâncias, os cidadãos de maneira geral descreem nas instituições políticas e nos gestores públicos e, consequentemente tentam negociar suas demandas diretamente com o “poder”. Assim, tendo em vista o imediatismo exigido pelas pessoas para o atendimento de suas necessidades essenciais, se cria um cenário para o ressurgimento de práticas políticas que inibem o desenvolvimento democrático. Uma dessas práticas é justamente o patrimonialismo.

Este tipo de prática estabelecido entre Estado e sociedade, em pleno século XXI, onde se continua a observar o uso do Estado e de recursos públicos por parte dos gestores públicos, como dispositivo de dominação e subserviência política. Estas práticas patrimonialistas criaram raízes culturais no Estado brasileiro, determinando a formação, desenvolvimento e o modo de funcionamento de nosso Estado e burocracia.

É evidente que esta prática não é nova, pois a prática patrimonialista remonta à época de Max Weber, quando elaborou as fórmulas de dominação existentes no sistema político. Para Sérgio Buarque de Holanda e Raimundo Faoro, existem três formas de dominação: 1- dominação legal; 2- dominação tradicional e 3- dominação carismática. Para efeitos deste artigo, enfatizo o significado e consequência do Estado moderno, dos resquícios de uma dominação tradicional, a qual se materializa na direção patrimonialista.

Destaco que este conceito se refere a uma estrutura política de relações sociais típicas, as quais se constituem no prolongamento dos poderes do patriarca familiar. De acordo com Max Weber, o patrimonialismo não conhece nem o conceito de competência, nem o de alteridade ou magistratura no sentido moderno, principalmente pelo fato de que o processo de apropriação da coisa pública num sentido familista se difunde. A burocracia, em geral, assume posições de gerenciamento da coisa pública e dos recursos públicos como se propriedade privada e familiar fosse.

O conceito de patrimonialismo é desenvolvido por Raymundo Faoro, um dos principais pensadores da política brasileira, que tem o entendimento que o atraso político brasileiro no ponto de vista da incorporação da sociedade civil, tem  a ver com a forma de estruturação da burocracia no país. Fruto do avanço sistemático do poder político no controle da economia e da diferenciação social, o patrimonialismo estatal destruiu a institucionalização dos direitos individuais.

Este conjunto de fatores da sociabilidade brasileira propiciou, segundo Sérgio Buarque de Holanda, o estabelecimento de quatro elementos que caracterizaram a organização social brasileira: ausência da tendência de autogoverno, a qual significava a ausência de solidariedade comunitária e de maneiras espontâneas de auto-organização política; virtudes inativas, ou seja, o ser social não reflete ativamente para transformar a realidade mas procura uma razão externa à sua existência; é razão reflexiva, a qual provoca um pensamento que impede rompimentos, sustenta uma consciência conservadora e um domínio dos interesses pelas paixões.

De acordo com essa concepção, a sociabilidade brasileira nasceu influenciada pela pirâmide familiar, tendo como fundamentos a organização patriarcal, a fragmentação social, as lutas entre famílias, as virtudes inativas e a ética da aventura. Originalmente, o caudilhismo e, posteriormente, o coronelismo, que implicava a existência de lideranças carismáticas, substituíam a racionalidade dos interesses individuais e estabeleciam a matriz sobre a qual a organização social e as fundações da política e do Estado foram delineadas.

Com efeito, na medida em que as relações afetivas ou familiares precederam a constituição do espaço público, o poder incorporou uma dimensão personalista em que o carisma-onipotente e a dependência do homem comum geraram uma atitude instrumental em relação à política.
A base da estrutura de atitudes e comportamentos políticos, neste tipo de sistema político, se dá num sentido pessoal. Desse modo, o patrimonialismo  produz uma práxis política dos representantes eleitos que somente se interessam pela sorte e bem- estar daqueles que dele dependem, pois desses grupos dependem sua sobrevivência política.

Quando o gestor público usa os recursos de maneira patrimonialista, a tendência à geração de figuras chamadas de “salvadores da pátria”.
No Brasil ainda persistem práticas de caráter patrimonialista, produzindo uma cultura política que mistura relações políticas de natureza pessoal com estruturas razoavelmente eficientes de mediação política.

A entidade privada precede sempre a entidade pública. O resultado é a prevalência de sentimentos próprios à comunidade doméstica, naturalmente particularista a antipolítica, uma invasão do público pelo privado, do Estado pela família, segundo a visão de Sérgio Buarque de Holanda.
Concluo com a afirmação de que nossas instituições públicas são tomadas pelos governantes como algo de interesse próprio, com finalidades pessoais e particulares, diferentemente do ideal da burocracia expressado por Weber.

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