sexta-feira, 7 de março de 2008

A ÉTICA E A ETIQUETA (SET/2007)

PONTO DE VISTA

A ÉTICA E A ETIQUETA

Os escândalos políticos motivados por corrupção e falta de decoro público têm ocupado as sessões das casas legislativas em todos os níveis. O Congresso Nacional, “puxando o carro” em nome da ética parlamentar, se encontra mais preocupado com questões de ordem investigativa ou de caráter punitivo (CPIs) do que com os assuntos legislativos que justificam sua existência e que, em razão da falta de tempo, vem sendo entregue ao poder executivo, que hoje legisla através de Medidas Provisórias que já não podem mais ser provisórias por terem se tornado permanentes. Estamos, pois, sob um tipo de governo onde o Poder Executivo assume as funções do Poder Legislativo e este ajuda os Poderes Executivo e Judiciário a investigar e punir seus corruptos e imorais em nome da ética parlamentar.

Esse comportamento confuso dos nossos poderes, constituídos para atuarem com independência e harmonia entre si, já comprova que a etiqueta (aqui colocada como norma convencional aceita) não vem sendo observada, mas será que a ética vem sendo eficazmente defendida? É o que pretendemos verificar neste despretensioso artigo.

Como é sabido, a ética tem suas raízes nos bons costumes, ditados por consenso da maioria dos componentes da sociedade, e a garantia de sua observância é entregue aos poderes públicos. Tendo em conta que seus conceitos em cada situação nunca são submetidos à plebiscito, para que tenham definição inequívoca, as definições éticas se tornam subjetivas e podem expressar interesses de apenas algum grupo social, desde que este grupo tenha poderes para impô-las. É desta distorção que nasce a etiqueta – regimento interno que estabelece as normas de funcionamento das casas legislativas – com a pretensão de definir e disciplinar o comportamento ético em cada caso. Como vimos, no caso das funções dos poderes a etiqueta não vem sendo observada, mas será que a ética vem sendo convenientemente defendida? É o que passaremos a examinar.

Dentro da definição parlamentar do conceito de ética inclui-se a do voto secreto para decisões importantes de interesse do povo. Ora, será que devemos considerar ético o representante do povo esconder do povo uma decisão (voto) cujos resultados são do interesse do povo? Poderíamos admitir, e até aconselhar o voto secreto nas casas legislativas nos casos de escolha de sua mesa diretora e outros assuntos de interesse absolutamente internos, mas nunca poderíamos aceitar como ético o representante esconder sua posição (voto) diante da proposta de cassação de um de seus pares, deixando o representado sem condições de julgar seu comportamento no caso. O que ocorreu no Senado com o julgamento da conduta do seu Presidente, tendo a opinião pública sinalizado a sua indignação pela falta de ética e decoro do Presidente de uma instituição como o Senado Federal, deixa-nos profundamente indignados com o vexaminoso resultado. Apesar de provas contundentes prevaleceu o corporativismo e a defesa de interesses escusos.

Outra norma que envolve os ditames da etiqueta nas casas parlamentares, contrariando profundamente a ética, é a que permite ao parlamentar corrupto ou imoral abrir mão do seu mandato antes de ser julgado, interrompendo, com este ato, o julgamento do seu comportamento e preservando seu direito de novamente candidatar-se e receber o voto do eleitor que, com a interrupção do processo de apuração, deixou de tomar conhecimento dos fatos e acontecimentos que envolveram o candidato quando no uso do mandato anterior. Será que deveríamos considerar ética uma lei trabalhista que permitisse ao empregado que roubasse do seu empregador pedir demissão do emprego, obrigando esse empregador a cancelar o processo de apuração do roubo e readmiti-lo depois?

Outros exemplos de comportamento parlamentar onde a ética não tem sido consultada podem ser citados, como os casos de negociações e acordos entre os poderes executivo e legislativo para permitir o funcionamento do primeiro, sem nenhuma consideração com os interesses do povo. Recentemente noticiou-se que, na Câmara de Deputados, concordaram, quase por unanimidade, a não aprovarem projetos do executivo, independente destes serem bons ou ruins para o povo, se o Presidente não se dispusesse a atender suas “reivindicações”. Comportamento na mesma linha tem sido assumido pelos bandidos que cobram dos comerciantes e até dos condomínios, uma “remuneração” fixa para protegê-los dos seus próprios assaltos.

Concluímos, assim, que a questão ética está bastante distanciada dos poderes públicos, notadamente de nossas casas legislativas. Isto não quer dizer que nossos parlamentares sejam antiéticos. Nós mesmos conhecemos deputados e senadores que se esforçam sobremodo para manterem um comportamento ético, mas as normas de funcionamento dos poderes públicos (que aqui chamamos de etiquetas, deixando o termo ultrapassar os cerimoniais) impedem o controle dos bons costumes idealizados. As normas políticas são maquiavélicas e, como tal, deixam de se firmar na ética que, quase sempre, impede a conquista dos seus fins. Mas um novo poder que pretende se sobrepor ao poder econômico vem ajudando no desmonte da corrupção que hoje sustenta o sistema de produção capitalista. Este novo poder (que em artigos anteriores denominamos de poder do conhecimento, firmado na arma da informação dirigida) tem a ética como meio e nós a desejamos como um fim. Pelo menos, por um momento, podemos nos aliar a este novo poder que é nosso adversário nas grandes questões que influirão no futuro da sociedade humana, desde que este novo poder não seja o conhecimento voltado para oprimir e/ou suprimir o direito à informação, ou melhor, não faça do conhecimento um instrumento de controle social usado contra a maioria da população e não se transforme numa nova forma de construção de indivíduos alienados e autômatos nesta sociedade hiper tecnologicamente “rede” globalizada. O que na verdade desejamos é a democratização do conhecimento à chamada “transparência” como antídoto à neblina que impede e na melhor das hipóteses turva o acesso aos casos onde a ética está sendo vilipendiada.

Amaury Cardoso

amaurycardosopmdb@yahoo.com.br

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