sexta-feira, 7 de março de 2008

ORGANIZAÇÕES SOCIAIS – AGILIDADE OU DESMONTE DO ESTADO? Artigo / Dez

PONTO DE VISTA.

ARTIGO: DEZEMBRO/2010.

As Organizações Sociais (O.S.) podem ser consideradas como o resultado mais expressivo e de maior aceitabilidade, de um processo de redefinição de antigos modelos de relacionamento entre o Poder Público e entidades não lucrativas (filantrópicas ou beneficentes), pela necessidade de se gerar novos modelos nesta parceria, com o objetivo de tornar a ação estatal mais ágil e mais eficaz, por dispensar, em determinadas situações, procedimentos demorados como as licitações. Esta ligação entre as O.S. e o Estado se expressa num instrumento chamado de Contrato de Gestão, que nada mais é que um compromisso legal firmado entre o Estado, através dos órgãos que o representam, e as O.S. para realizar as políticas públicas mediante um programa de otimização de gestão que busca maior qualidade do produto/serviço oferecido ao cidadão.

Por definição, Organizações Sociais são entidades públicas de direito privado, não estatais, que gozam de autonomia administrativa e financeira, dotadas de finalidade social, sem fins lucrativos e que, desde que habilitadas pelo Poder Público, estão aptas a poder receber dotações orçamentárias e a firmar contratos de gestão com entes governamentais.

A questão é polêmica, pois se não podemos considerar as O.S. como forma direta de privatização de ente público, ao mesmo tempo elas não representam concessão ou qualquer outra forma de delegação de serviço público. Seriam entes privados de cooperação e apoio à Administração Pública.

Portanto, a questão é até que ponto as O.S. apenas cooperam com o Estado, agilizando seus procedimentos, ou as O.S. vão além da cooperação se tornando as substitutas do próprio Estado, retirando-lhe atribuições, ou seja, promovendo seu desmonte?

Esta não é uma pergunta simples de ser respondida, pois as dúvidas a respeito do real papel das O.S. são tão grandes que suscitam discussão, investigação e divergência na própria Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro, onde a Vereadora Andréa Gouvêa conduz criteriosa investigação a este respeito, sem ter, porém, ainda obtido informações que a convençam a emitir um parecer conclusivo sobre o assunto.

Sem pretensões de definir as conclusões da nobre vereadora, cremos que a nossa grande e comprovada experiência no campo da gestão pública, nos credencia a opinar sobre este atualíssimo tema que, inclusive, faz parte da nossa realidade como gestores do Complexo Esportivo Miécimo da Silva – CEMS – cujos recursos financeiros são administrados pela O.S. CEACA-VILA, que tem contrato de gestão com a Secretaria Municipal de Esportes e Lazer – SMEL – especificamente para este fim.

Legalmente falando, as Organizações Sociais fazem parte da chamada “Reforma do Estado” que foi implementada pelo Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE), feito pelo Ministério da Administração e Reforma do Estado (MARE), criado quase que exclusivamente para realizar a reforma administrativa pretendida pelo primeiro governo FHC, que ganhou existência legal com a aprovação do “Programa Nacional de Publicização” pela lei nº. 9.637 de 15 de maio de 1998, que autoriza a transferência pelo Poder Executivo da execução de serviços públicos e da gestão de bens e pessoal públicos a entidades privadas especialmente qualificadas, quais sejam, as Organizações Sociais.

Na opinião de Hely Lopes Meireles, ilustre Mestre do Direito Administrativo, a criação das Organizações Sociais teve por fim a transferência para elas de certas atividades exercidas pelo Estado que melhor o seriam pelo setor privado, sem necessidade de concessão ou permissão, sendo uma nova forma de parceria, valorizando o chamado terceiro setor, ou sejam, serviços de interesse público que não necessitam ser prestados por órgãos e entidades do governo.

A lei, inclusive no seu artigo 1º, que define o que são as Organizações Sociais, não esclarece muito sobre o conceito, mais alimenta a controvérsia a respeito.

Passamos a citar alguns exemplos, baseados na própria lei 9.637/98, que demonstram a real chance de desmonte do Estado pelas Organizações Sociais, como no caso da possibilidade, prevista na lei, de uma O.S. absorver um órgão da administração pública depois de extinto. Neste caso, a nova entidade privada executará um serviço público delegado pelo Estado, podendo abranger a destinação orçamentária, bens públicos para o cumprimento do contrato de gestão, com dispensa de licitação, cessão de servidores públicos, com ônus para a origem e a própria dispensa de licitação nos contratos de prestação de serviços firmados entre o Estado e a Organização Social, conforme o disposto no artigo 22 parágrafo 1º da lei 9.637/98.

Esta previsão legal é preocupante, é razoável perceber nela uma forma de desmonte do Estado, retirando-lhe a prestação de serviços públicos. O fato de decorrer de órgão estatal extinto caracteriza serviço tradicionalmente prestado pelo Estado com patrimônio e servidores públicos que, de uma hora para outra, passam ao regime jurídico de direito privado. Daí temos um problema de inconstitucionalidade quanto à dispensa de licitação para absorção de órgão público extinto, por acarretar uso exclusivo de bens públicos.

Outro exemplo se deu no início da utilização do modelo: as primeiras Organizações Sociais não surgiram de entidades privadas pré-existentes, mais da extinção de órgão públicos supra referida, evidenciando que o processo de “publicização” normatizado pela referida lei, na verdade escondia o objetivo de desmantelar o serviço público.

Em que pese que atualmente a maioria das O.S. surjam de ONGS convertidas para tal, a crítica continua válida, pois a previsão legal para absorção de ente público extinto continue em vigor.

Outro detalhe incômodo, de acordo com o artigo 2º parágrafo 2º da lei 9.637/98, é o fato da qualificação como Organização Social ser normatizada como ato discricionário, pela previsão de intromissão do administrador público dentro das entidades. Num país propenso a descalabros políticos como o Brasil, a necessidade de aprovação quanto à conveniência e oportunidade, como diz a lei, o que a princípio indicaria um zelo legislativo para impedir a qualificação de entidades pouco confiáveis, chega quase à inconstitucionalidade, pois viola o princípio da impessoalidade da administração pública (as O.S., como contratadas para gerenciar equipamento público são obrigadas a seguir os princípios da administração pública, quais sejam: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. MARE – BRASIL, 1997, pg. 37). Isto torna a qualificação muito pessoal, o que aliado ao uso de bens públicos, para prestar serviços públicos, cessão de servidores públicos, dotações orçamentárias específicas e dispensa de licitação; se torna um convite quase irrecusável para a ingerência e a manipulação políticas nesse processo de qualificação, que uma vez vinculada a critérios técnicos transparentes, não dariam mais margens a este tipo de interferência descabida e às flexibilidades escabrosas incompatíveis com entidades de direito público.

Além disso, a lei tem lacunas que permitem a qualificação de entidades sem comprovação de serviços prestados, garantias, tempo mínimo de existência ou capital próprio. É espantoso observar que a lei exija um tempo mínimo de existência, em casos em que o Estado não dá vantagens tão grandes, como no caso de “entidade com fins filantrópicos”, que devem ter existência mínima de três anos, e silencie quanto às O.S.

Vale lembrar a questão dos relatórios quadrimestrais devidos pelas O.S. para o órgão estatal do qual são parceiras, determinado pelo contrato de gestão firmado entre ambos, para apontar o cumprimento das metas qualitativas e a aplicação dos recursos disponibilizados. Considerando a ampla possibilidade da prevalência de interesses políticos pessoais na qualificação das O.S., quem pode garantir que tais relatórios não sejam “maquiados” para o atendimento destes interesses? Quais os critérios para a aferição da veracidade das informações contidas nestes relatórios?

A única maneira que, s.m.j., pode evitar o descrito acima, é subordinar as O.S. à direção do órgão cujos recursos gerenciam, acatando as metas, programas e políticas públicas, bem como os critérios de avaliação dos níveis de qualidade do produto/serviço oferecido; estabelecidos por esta direção, o que garantirá o compromisso com a realização das políticas públicas estabelecidas pelo Poder Público e a eficácia e transparência da gestão.

Ressaltamos, entre tanto, que mesmo em face das lacunas e excessos da lei 9.637/98, não podemos ter o comportamento dogmático sobre a questão que nos impeça de apontar os aspectos positivos da institucionalização das Organizações Sociais.

Muito corretamente, a lei supra determina, no seu artigo 3º, os critérios necessários à composição dos seus órgãos de deliberação superior, com previsão de representantes do Estado e da sociedade civil, compensando a exagerada liberdade, em relação ao regime jurídico de direito público dada às O.S., embora a firme presença estatal na direção da organização torne mais evidente tanto a tentativa de fuga da administração das amarras do regime jurídico de direito público, quanto a possibilidade de interferência política no seu comando.

O contrato de gestão, que embora parte do processo não é o objeto principal deste artigo, pode ser considerado um avanço, quando bem elaborado, para impor limites e metas à Organização Social. Outro ponto positivo é a exigência pela lei para a qualificação da entidade, da anuência desta em publicar obrigatoriamente no Diário Oficial da União, anualmente um relatório gerencial das atividades desenvolvidas (Relatório de Execução do Contrato de Gestão), e não um mero balancete contábil, como era típico das entidades de utilidade pública.

Deixamos a cada um a liberdade para tirar suas próprias conclusões sobre tão complexo tema, pois procuramos esclarecer o que de fato representam as Organizações Sociais, como o título do presente artigo sugere.

Cabe ressaltar que, como bem manda a prudência, ainda seja cedo para uma avaliação conclusiva, definitiva sobre as Organizações Sociais, que após pouco mais de doze anos da sua criação, ainda estão incipientes, com tentativas de efetivação de necessários controles para compensar as facilidades que a flexibilização da administração pública, proporcionada pelas O.S. lograram. Só com base na avaliação das vantagens e desvantagens decorrentes da efetivação deste modelo na prática, o que ainda demandará um certo tempo, é que poderemos refletir e chegar a uma conclusão sobre o que as O.S. realmente significam, agilidade ou desmonte do Estado. Só com a experiência adquirida pela prática é que poderemos, no caso da agilidade, aprimorar o modelo; e no caso de desmonte do Estado, repensar todo o processo e seguir rumo ao modelo ideal, que jamais retire do Estado nenhuma das suas atribuições, principalmente a mais relevante delas: a de ser o maior e principal gestor dos meios para proporcionar o bem estar da sociedade.

Finalizando sou compelido a emitir considerações de caráter pessoal em função da minha consciência política e qualificação como gestor público. A aprovação do Presidente da República – FHC - do Decreto do Congresso Nacional, sancionando a lei nº. 9.637 de 15 de maio de 1998, sobre as Organizações Sociais, foi mais um capítulo do livro de horrores que foi o seu governo, responsável pelo maior desmonte das instituições públicas desse país. Seguindo à risca as orientações do capitalismo internacional foi um governo preocupado em obedecer às normas referentes à ideologia neoliberal privatizando setores vitais do aparelho estatal. As O.S. são na verdade uma espécie de co-gestores, imiscuindo-se no serviço público, informando-se sobre seu funcionamento e influenciando decisões importantes que só dizem respeito ao estado e seus representantes, tornando-se assim, uma ameaça, pois podem ter acesso a informações privilegiadas, confidenciais dependendo do grau de perspicácia de seus membros.

Quando, o serviço público não visa objetivamente lucro, as O.S. representam uma ponta sutil do chamado capitalismo de Estado, subvertendo sua natureza social, instalando mais uma forma de exploração do homem pelo homem.

Devemos estar atentos e denunciar as ações nefastas decorrentes de contratos estabelecidos, para que possamos defender e preservar as instituições construídas com recursos públicos, mas que estranhamente são entregues a interesses privados.

Amaury Cardoso.

e-mail: amaurycardosopmdb@yhaoo.com.br

Blog: www.amaurycardoso.blogspot.com

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