(Artigo baseado em estudos do trabalho do filósofo político Daniel Inneraty – Parte II)
Por ser um tema que me atrai e intriga em razão da minha longa militância política, no artigo anterior (agosto/2017), “PARTIDO: POR QUE NÃO NOS SENTIMOS REPRESENTADOS?”, busquei fazer uma análise sobre o que tenho observado e lido em vários argumentos de especialistas políticos e historiadores sobre a crise do processo político contemporâneo que resulta no elevado índice de rejeição a classe política e o aumento do descrédito das instituições partidárias, onde neste artigo busco dar continuidade ao meu estudo sobre este tema fundamental ao avanço do processo democrático.
Inicio minhas ponderações chamando a nossa reflexão a celebre frase de Raymond Aron, ao afirmar: “No mundo da política tudo são antecipações que aguardam o juízo do tempo” (Aron, 1948, p. 313).
Há alguns anos experimentamos uma crise dos partidos políticos, que vem se agravando ampliando seu descrédito, fragmentando-os, fazendo com que percam a relevância junto à sociedade. Entendo ser a manifestação de uma crise profunda do modelo de Democracia Representativa com sérias conseqüências ao avanço na construção do processo democrático. Segundo o filósofo político Daniel Inneraty, “Quando a democracia de massas surgiu, os partidos conseguiram estabilizar durante muito tempo as identidades políticas e suas correspondentes opções eleitorais. Esse período era chamado de democracia dos partidos”. Hoje, com segurança, podemos afirmar que esse período se findou.
Após a virada do século os partidos políticos foram sofrendo uma transformação na sua forma de atuar que os tem afastado da realidade social em razão de acúmulos de erros que tiveram início no envelhecimento e desconexão dos seus programas que precisam ser repensados diante do avanço tecnológico e mudança de comportamento da sociedade moderna, associado à falta de democracia interna, necessária a condução da vida partidária, tendo sido ambas as principais responsáveis pela origem dessa crise generalizada de confiança que corroeu os canais de representação política da sociedade através das tradicionais organizações partidárias, que foi aprofundada pela volatilidade dos eleitores, somada à aceleração dos processos de mudança social, atingindo em cheio, em especial, os agentes políticos.
O desafio que essas mudanças lançam às organizações políticas consiste em saber como atuar num ambiente onde vigora um novo estilo de comportamento e outros interesses e prioridades diante de um ambiente político que se tornou mais complexo, com outras formas de participação paralelas e alternativas que teve como conseqüência imediata a diminuição do capital político dos partidos.
A superação dessa crise de representação partidária só se dará quando suas direções, através de uma reflexão profunda que leve a admissão de erros e resulte na vontade política de corrigi-los seja admitida, possibilitando a adoção de medidas necessárias a quebra de paradigmas ultrapassados que tem dificultado a oxigenação partidária, através do surgimento de novas lideranças, imprescindível ao seu fortalecimento interno e, com isso, tornando-o mais orgânico. Entendo ser esta a forma de construirmos partidos melhores, evitando que os partidos percam sua força a ponto de se tornarem incapazes de atender às expectativas de representação e orientação da vontade política de uma sociedade diversa.
Com a chegada das redes sociais que ampliou o campo do jogo político com vozes de atores diferentes surge um novo espaço que coloca em evidência a coincidência entre a política institucionalizada e a sociedade real, conferindo uma extraordinária capacidade das pessoas se conectarem entre si de forma imediata, possibilitando uma aproximação e controle entre os representados e representantes, que têm a obrigação de prestar contas para aqueles que representam, o que permitiu o acesso de todos os cidadãos no processo de tomada de decisão sem a necessidade da intermediação dos partidos. Diante desse fato as mudanças que visam reestruturar e modernizar os partidos, tornando-os mais funcional, passa a serem urgentes no mundo atual de sociedades profundamente plurais.
Interessante destacar que segundo estudos de Inneraty, “a situação se agrava através da tripla aliança entre partidos, políticos ineficazes, esquerda com escasso sentido de realidade e direita que a conhece bem demais é uma conspiração não declarada que ameaça a nossa vida democrática mais do que qualquer outra disfuncionalidade. Entre uns e outros, é bem possível que o conjunto de valores nos quais se assentam as sociedades democráticas e igualitárias saiam enfraquecidos; no fundo, isso é o que deveria nos preocupar, e não tanto o futuro concreto das nossas organizações políticas.”
É fato que acabou o controle monopolístico do espaço público pelos partidos político, mas o que não acabou foi à necessidade de instâncias de mediação, por meio das quais se formam a vontade política e o antagonismo que servem de base para as decisões coletivas. Uma coisa é os partidos terem de renovar-se profundamente e outra são as conquistas sociais e de participação cidadã poderem ser asseguradas sem organizações como partidos.
Os partidos estabelecem mediações e articulam o jogo político, e façam melhor ou pior, a prática democrática não será possível sem instituições que realizem esse tipo de função. Os partidos, pelo ao menos na essência teórica, são essenciais para esclarecer as opções que estão à disposição dos eleitores; possibilita formar o pessoal político, selecionar os candidatos, gerir a circulação da classe política pelas instituições, controlar os eleitos mantendo-os vinculados às promessas feitas aos eleitores, e possibilitam aos cidadãos votarem num programa político que tende a estar associado a uma linha de pensamento que se identificam.
Embora no momento atual os partidos sejam vistos pela grande maioria da sociedade como algo que não é do seu interesse por não estarem correspondendo as suas aspirações de representatividade dentro da sua realidade, vejo que o partido político ainda é percebido como a instância que serve para controlar os eleitos por entenderem que sem os partidos os eleitos formariam uma casta ainda mais forte do que agora e seriam menos controláveis.
Alguns especialistas políticos afirmam no que eu concordo que os partidos perderam o seu papel de contentor, mas não a ideia de uma organização política que contribua para tornar inteligível o mundo, que oriente as decisões dos cidadãos, que possa oferecer canais de participação política e articule o controle cívico sobre seus representantes.
Contudo, é obvio que os partidos atuais estão longe de cumprir satisfatoriamente tais expectativas.
Por fim, é fato que depois da crise dos partidos, estamos numa encruzilhada: Muitos partidos entendem como solução a crise de representação que enfrentam adotando a decisão simplista da mudança do nome do partido. Entendo que tal medida só irá agravar, pois não será mudando a roupagem, como forma de camuflagem, que parecerá novo e confiável a sociedade. Ou criamos partidos melhores ou ingressamos num espaço amorfo cujo território será ocupado por tecnocratas e populistas, definindo-se assim um novo campo de batalha que seria ainda pior que o atual.
“A política nunca está isenta de riscos e quem quiser se dedicar a ela deve saber que está entrando num terreno perigoso, também no que se refere a riscos de ordem pessoal. O político é alguém especialmente exposto às contingências: incerteza, urgência temporal, exposição, fracasso, e ainda no que diz respeito ao risco que assume ou à sua duração no cargo”.
Um bom político deve saber sempre que o fim de sua carreira não depende apenas dele, pois nas esferas da política reina uma enorme volatilidade.