Em nosso artigo anterior, “Juventude – Um Futuro
Sem Perspectivas Até Quando?”, apresentamos uma análise da atual situação do
jovem brasileiro, sem instrução, qualificação, perspectiva de futuro e,
portanto, uma presa fácil para a marginalidade e a delinquência Os recentes
fatos noticiados por toda a mídia, como por exemplo, o estupro de uma mulher
por um menor, num ônibus, no Rio de Janeiro, entre muitos outros envolvendo
atos violentos e criminosos praticados por jovens, trazem à baila a discussão
de um tema polêmico, mas cujo enfrentamento pelas autoridades já não pode mais
se fazer esperar, em razão das grandes pressões da sociedade, que é a redução
da maioridade penal, de 18 para 16 ou até mesmo 14 anos, segundo pretendem
alguns.
Nem por um segundo discutimos a legitimidade e tão
pouco a necessidade de uma séria revisão do “Estatuto da Criança e do
Adolescente”, mais conhecido como ECA, que é a legislação vigente que regula as
ações preventivas e punitivas do Estado, em relação às infrações à lei
perpetradas pelos chamados menores de idade, bem como as medidas
sócio-educativas no sentido da sua reintegração à sociedade, inclusive porque
sabemos que o direito é posposto às necessidades geradas pela constante
dinâmica da evolução social, jamais se antecipando a ela.
Entretanto, não podemos tão somente apoiar uma
mudança na lei sobre o menor infrator, medida que incide sobre os efeitos desse
problema, mas que não busca solucionar as suas causas que, muito embora não
justifiquem qualquer comportamento leniente quanto ao rigor na punição da delinquência juvenil, têm que finalmente ser encaradas com a seriedade que a
situação exige, evitando desse modo a repetição desse ciclo vicioso de
desestruturação familiar – educação deficiente – baixa qualificação – exclusão
social – delinquência juvenil – detenção/punição – não reintegração social –
reincidência criminal.
Aumentar as penas e o rigor das medidas coercitivas
ao menor infrator, sem outras medidas paralelas que ofereçam ao jovem
brasileiro as condições de uma plena, adequada e produtiva inserção no meio
social, redunda na mais profunda injustiça e na repetição dos erros anteriores
praticados por um mecanismo estatal incompetente na gestão das necessidades das
camadas menos favorecidas da população, e por uma sociedade elitista e omissa
que fez, durante décadas, ouvidos de mercador ao clamor da gente humilde desse
país, e que agora, em vista do resultado desses anos de descaso e indiferença
para com essa camada da população, vem sendo cobrada com juros e correção
monetária através da escalada da violência de um modo geral, mais da juvenil em particular. Que
moral temos para, pura e simplesmente, apenas punir com mais rigor sem oferecer
nada digno em contrapartida?
Cabe, portanto, ao Estado, que é a nação politicamente
organizada, e o responsável pelo bem estar das pessoas, criar as condições para
que a revisão do ECA não se constitua em mais uma iniquidade institucionalizada,
castigando mais duramente aqueles aos quais a exclusão social sobejamente já
pune. A discussão real teria que ser sobre quais as medidas que forçosamente
têm que acompanhar a redução da maioridade penal, para que se possa efetivamente
fazer justiça e não se promover uma vingança da sociedade contra aqueles que
dela foram injusta e arbitrariamente excluídos. Sabemos que essa é uma verdade
difícil de aceitar, mais ainda dolorosa de encarar, mas não podemos fugir a
ela, se não quisermos agir de modo mais bárbaro do que aqueles menores
criminosos que pretendemos punir e reintegrar, talvez seja melhor dizer
integrar, ao processo social em que vivemos.
A primeira medida seria dirigida ao resgate da
instituição familiar, que dilapidada nas últimas décadas, se tornou ineficaz em
proporcionar as bases afetivas e emocionais imprescindíveis ao desenvolvimento
de uma personalidade sadia, que mesmo em face de problemas de ordem econômica,
pode resistir aos apelos dos descaminhos oferecidos àqueles que encaram as
carências materiais de toda a ordem, lembrando também que nas classes
abastadas, o índice de delinquência juvenil já está em níveis que há muito
ultrapassaram a categoria de alarmantes, sendo evidente que essa ação social
estatal levará em conta a realidade da mudança no perfil do núcleo familiar,
principalmente pela cada vez maior quantidade de famílias chefiadas
exclusivamente por mulheres, fato que exige um muito maior investimento em
creches públicas de modo a permitir que essas mães possam trabalhar tranquilas
tanto para sustentar diretamente seus lares, quanto auxiliar seus companheiros
a fazê-lo condignamente.
O outro ponto inalienável nessa discussão é a
educação. Faz-se necessário o imediato resgate da Escola de Tempo Integral, que
além de um ensino acadêmico e profissionalizante, ofereça serviços médico-odontológico,
apoio psicológico ao aluno/família, alimentação balanceada, além de uma
socialização realmente integradora entre o aluno e o ambiente escolar,
deixando-o a salvo, inclusive, dos apelos à marginalidade aos quais estaria
exposto, caso ficasse mais ocioso em casa ou na rua. Medida complementar seria
a volta dos Pais Sociais, nos moldes do programa desenvolvido pelo Governo
Brizola à época dos CIEPS. Tenham a absoluta certeza de que investir em tudo
isso sai muito mais em conta, social e financeiramente, do que ter que investir
num aparato policial e prisional repressor de delinquentes sejam eles de
qualquer faixa etária que venham a ter.
Na questão da educação ainda cabe mais uma
observação: o investimento no ensino técnico voltado para o desenvolvimento de
novas tecnologias, pela maior formação de professores na área de ciências
exatas, ou seja, matemática, física e química, é indispensável para que o
Brasil recupere o tempo perdido em se atualizar tecnologicamente e poder dar o grande
salto para o seu desenvolvimento pleno.
Efetivamente, no que diz respeito à reformulação do
ECA, sabemos que o atual limite de três anos para a internação de menores
infratores é totalmente ineficaz em coibir a sua ação criminosa. Numa análise
da questão, em nível mundial, temos que na maioria dos países, menores de 18
anos podem pegar até 15 anos de cadeia e em alguns deles, como na Inglaterra,
podem pegar prisão perpétua. Além do Brasil, apenas a Alemanha estabelece em
três anos o teto para a detenção de menores infratores e, somos forçados a
admitir, o disparate se torna gritante em face das diferenças das realidades
sociais, econômicas e culturais entre os dois países, fato que evidencia a
total inadequação desse dispositivo legal à realidade brasileira.
Outro ponto são os estabelecimentos penitenciários
e as casas de correção para menores, que nunca atenderam às finalidades
sócio-educativas e muito menos preventivas e de reintegração social previstas
pelo ECA, se constituindo, na verdade, em verdadeiras escolas do crime. Para
uma garantia de eficácia da redução da maioridade penal, o perfil desses
estabelecimentos correcionais tem que ser redesenhado, pois muito se assemelham
àqueles que existiam na Inglaterra da Era Vitoriana, mesclados com os pequenos
campos de concentração do III Reich, onde todo o tipo de violência física e
moral eram praticados contra os detentos. Nesse novo perfil, os responsáveis
pela segurança dos internos teriam que ter um treinamento especial, sempre
respaldado por psicólogos e num contexto no qual os internos fossem separados
por faixa etária e periculosidade criminal, lhes sendo oferecida educação
profissionalizante e acadêmica, além da realização de convênios com empresas
estatais e privadas que recrutem essa mão-de-obra recém formada e apta a se
inserir produtivamente na sociedade. O apoio às famílias, a cargo de
assistentes sociais, é parte fundamental nesse processo, de modo a procurar
sanar as causas da sua desestruturação.
Finalmente, entramos no assunto da redução da
maioridade penal propriamente dito. A discussão sobre a idade ideal para se
imputar a alguém à responsabilidade por delitos, é assunto delicado, posto que
o direito penal baseia essa imputabilidade no conceito de “animus”, ou seja,
vontade. E vontade exige consciência da gravidade do ato praticado, o desejo
livre e consciente de uma pessoa dirigido à prática de um ato que ela sabe ser
criminoso. É o princípio jurídico da culpabilidade, no seu sentido amplo.
Portanto, a questão a se analisar é com qual idade alguém tem o entendimento
necessário para avaliar as conseqüências dos seus atos. É o que se chama
discernimento. Neste particular, as idades consideradas como maduras para um
perfeito discernimento, e, portanto, para efeito de determinação da maioridade
penal, variam. No Marrocos a idade é de 12 anos, na Inglaterra é 10, na Itália
e Japão 14, na França 13, no México varia de 11 a 12 anos, de acordo com o
estado; nos países escandinavos 15, enfim, no Oriente chega a ser de até 7 anos
em alguns países.
Considerando os meios de informação disponíveis
atualmente, e o amadurecimento precoce das crianças e jovens, cremos que 16
anos, como defendem alguns, seria a idade ideal para se estabelecer uma
maioridade penal coerente com a realidade do mundo em que vivemos. É uma
análise que leva em conta que um adolescente atual tem uma quantidade de
informação infinitamente superior àquele de vinte anos atrás. Vale lembrar que
até mesmo o nosso antiquado Código penal, datado de 1940, estabelece que nos
casos dos crimes sexuais, se a ofendida tiver idade inferior a 14 anos, a pena
é aumentada em um terço daquela determinada a princípio pela lei, o que
caracteriza esta idade como o divisor de águas entre a infância e a adolescência.
Não temos aqui a pretensão de, nessas rasas linhas,
determinarmos a solução deste tão complexo problema. Apenas pretendemos sugerir
critérios mais justos e condizentes com a realidade da sociedade brasileira,
que possam servir de parâmetros para uma discussão mais ampla e coerente com
essa realidade, de modo a criar os instrumentos adequados, pelas ações
governamentais pertinentes, para solucionar as causas e não apenas os efeitos
da problemática da delinquência juvenil, resgatando a dívida social acumulada
de anos e, ao mesmo tempo, proporcionando a segurança e tranqüilidade
necessária ao convívio pleno, sadio e produtivo entre todas as camadas que
compõem a sociedade, o que só pode ser conseguido pelo enfrentamento efetivo e
definitivo do desafio social da violência e delinquência juvenil, que agora,
mais do que nunca, exige uma solução que garanta um porvir digno e feliz para
todos nós brasileiros.