Historicamente o poder judiciário em nosso país se organizou à margem da soberania democrática e possui uma rejeição absoluta ao controle externo pelas outras duas instituições democráticas: executivo e legislativo.
O Brasil possui uma frágil vocação democrática que se percebe, durante os momentos otimistas de expansão da democracia, no interior das estruturas democráticas com o aparecimento de elementos da contra democracia, inseridas na institucionalidade legal para serem usadas posteriormente, onde destaco três elementos: O impeachment, à justiça eleitoral e a possibilidade de intervenção militar nas questões de ordem interna. A ausência de uma estrutura de direitos civis, a meu ver, constitui o principal déficit do processo de construção democrática em nosso país.
A eleição de Bolsonaro para à presidência vem revelando um novo patamar de conflito entre executivo, judiciário e instituições de controle. Segundo o cientista político Leonardo Avritzer, esse conflito poderá eventualmente contar com a ameaça de utilização de formas de coerção não previstas no ordenamento democrático.
A população brasileira tem assistido vários confrontos importantes entre o executivo ,o judiciário e o congresso nacional, a exemplo da lei de abuso de autoridade, do combate a corrupção com a proibição da “condução coercitiva, a derrubada da prisão em segunda instância, e a questão do papel dos militares na política retorna à agenda por diversos instrumentos: intervenção na segurança do Estado do Rio de Janeiro, pela declaração do chefe do Estado -Maior do Exército durante o julgamento do hábeas corpus do ex-presidente Lula e o apoio militar ao presidente Jair Bolsonaro.
A crise desencadeada pelas manifestações de junho de 2013 se ampliou fortemente durante as eleições presidenciais de 2014 e aumentou nas eleições seguintes. A de 2018 ocorreu em um campo institucional completamente degradado, onde uma parcela da população admitia, face questões latentes no campo da segurança pública e corrupção sistêmica, aceitar a relativização da democracia ou até mesmo a ruptura com ela.
A partir de 2013 passamos a ouvir diagnósticos acerca da crise do Estado Brasileiro. Alguns afirmam que o problema se deve ao tamanho adquirido pelo Estado, realmente maior que a média dos países em desenvolvimento. O fato é que o Estado brasileiro tem oscilado entre 32% e 35% do produto interno bruto (PIB), índice que representa o PIB mais alto dos países em desenvolvimento.
Com a queda do PIB e a manutenção das despesas obrigatórias da união, houve alteração do tamanho do Estado, elevando as despesas na faixa de 35% do PIB. A origem desse problema está, a meu ver, no crescente gasto público que se revela fora do controle, com destaque para o sistema da previdência, a alta folha de pagamento de servidores e custeios da máquina pública, além da absurda taxa de juros sobre a dívida pública, o que torna o Brasil um dos principais pagadores de juros internacionais. O que se constata é que o nosso país não suporta a opção de manter duas estruturas, um estado patrimonial e, ao mesmo tempo, construir um estado social.
Até a democratização, em 1985, tínhamos no Brasil um Estado patrimonialista e desenvolvimentista. Segundo Raymundo Faoro, em seu livro “Os Donos do Poder”, esse modelo obedece a uma lógica burocrático-particularista, ou seja, o Estado transfere recursos públicos para indivíduos privados por diversos meios, entre os quais benefícios salariais e previdenciários. Para Faoro, a questão central do processo de formação do Estado Nacional no Brasil é o seu controle por um aparato burocrático permeado por relações clientelistas.
Percebe-se que esse modelo burocrático tem como característica principal uma relação distante com a cidadania, onde as decisões do Estado são impostas de cima para baixo.
Cabe ressaltar que esse processo histórico, a partir de 1930, de consolidação de um Estado patrimonialista com o decorrer dos anos tem sofrido adaptações, mas preservando o processo de apropriação do Estado brasileiro por diferentes grupos estatais.
Com a democratização brasileira (1985), surgiu uma terceira dimensão relativa ao Estado Brasileiro através da reorganização do setor de políticas sociais a partir das diretrizes elaboradas pela constituição de 1988, que tiveram um papel de grande relevância na segmentação e ampliação das desigualdades no Brasil por um longo período. Diante desse argumento, o que me leva a acreditar é que a crise do Estado brasileiro se estrutura na improvável interseção entre esses dois modelos de Estado, o patrimonial e o social, sendo agravada pela maneira como as obras de infraestrutura estão organizadas como sustentação ao sistema político.
Amaury Cardoso
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