O patrimonialismo no Brasil tem causado consequências profundas
no processo de condução dos governos brasileiro. Partindo desta constatação se
pode afirmar que uma das características que se espera que o Estado moderno
desempenhe é o que diz respeito ao desenvolvimento de uma burocracia eficiente
e transparente, destituída de interesses particularistas. No entanto, na
realidade, e na visão de alguns autores, especialistas no assunto, o que se
afirma a seguir deixa claro, o sistema político brasileiro continua a exibir
traços patrimonialistas dentro dos quais tem se verificado a proliferação de
mistificações auto justificáveis que permitem às classes políticas boicotar
reformas que visem estabelecer um contrato social mais eficiente,
constrangendo, desse modo, uma melhor distribuição da riqueza e a constituição
de uma cidadania plena.
Entendo, nestas circunstâncias, que os cidadãos de maneira
geral descrêem nas instituições políticas e nos gestores públicos e, consequentemente
tentam negociar suas demandas diretamente com o “poder”. Assim, tendo em vista
o imediatismo exigido pelas pessoas para o atendimento de suas necessidades
essenciais, se cria um cenário para o surgimento de práticas políticas que
inibem o desenvolvimento democrático. Uma dessas práticas é o patrimonialismo.
Este tipo de prática estabelecido entre Estado e sociedade, em
pleno século XXI, onde se continua a observar o uso do Estado e de recursos
públicos por parte dos gestores públicos, em suas três instâncias, como
dispositivo de dominação e subserviência política. Estas práticas
patrimonialistas criaram raízes culturais no Estado brasileiro, determinando a formação,
desenvolvimento e o modo de funcionamento de nosso Estado e burocracia.
É fato que esta prática não é nova, pois a prática
patrimonialista remonta à época de Max Weber, quando elaborou as fórmulas de
dominação existentes no sistema político. Max Weber estabeleceu três formas de
dominação: dominação legal, dominação tradicional e dominação carismática.
Contudo, trago o enfoque para o fato de possuirmos uma
estrutura política de relações sociais típicas, as quais se constituem no
prolongamento dos poderes do patriarca familiar. De acordo com Max Weber, o
patrimonialismo não conhece nem o conceito de competência, nem o de alteridade
ou magistratura no sentido moderno, principalmente pelo fato de que o processo
de apropriação da coisa pública num sentido familista se difunde.
A burocracia, em geral, assume posições de gerenciamento da
coisa pública e dos recursos públicos como se propriedade privada e familiar
fosse.
O conceito de patrimonialismo é desenvolvido por Raymundo
Faoro, um dos principais pensadores da política brasileira. Para Faoro o atraso
político brasileiro no ponto da incorporação da sociedade civil, tem a ver com
a forma de estruturação da burocracia no país. Fruto do avanço sistemático do
poder político no controle da economia e da diferenciação social, o
patrimonialismo estatal destruiu a institucionalização dos direitos
individuais.
Este conjunto de fatores da sociabilidade brasileira propiciou
segundo Buarque de Holanda, o estabelecimento de quatro elementos que
caracterizaram a organização social brasileira: ausência da tendência de
autogoverno, a qual significava a ausência de solidariedade comunitária e de
maneiras espontâneas de auto-organização política; virtudes inativas, ou seja,
o ser social não reflete ativamente para transformar a realidade, mas procura
uma razão externa à sua existência; é reflexiva, a qual provoca um pensamento
que impede rompimentos, sustenta uma consciência conservadora e um domínio dos
interesses pelas paixões.
De acordo com essa concepção, a sociabilidade brasileira
nasceu influenciada pela pirâmide familiar, tendo como fundamentos à
organização patriarcal a fragmentação social, as lutas entre famílias, as
virtudes inativas e a ética da aventura. Originalmente, o caudilhismo e,
posteriormente, o coronelismo, que implicava a existência de lideranças
carismáticas, substituíam a racionalidade dos interesses individuais e
estabeleciam a matriz sobre a qual a organização social e as fundações da
política e do Estado foram delineadas.
Com efeito, na medida em que as relações afetivas ou
familiares precederam a constituição do espaço público, o poder público
incorporou uma dimensão personalista em que o carisma-onipotente e a dependência
do homem comum geraram uma atitude instrumental em relação à política.
A base da estruturação de atitudes e comportamentos
políticos, neste tipo de sistema político, se dá num sentido pessoal. Desse
modo, o patrimonialismo produz uma práxis política dos representantes eleitos
que somente se interessam pela sorte e bem-estar daqueles que dele dependem,
pois desses grupos depende sua sobrevivência política.
Quando o gestor público usa os recursos de maneira
patrimonialista, a tendência á geração de figuras chamadas de “salvadores da
pátria”.
No Brasil ainda persistem práticas de caráter
patrimonialista, produzindo uma cultura política que mistura relações políticas
de natureza pessoal com estruturas razoavelmente eficientes de mediação
política.
A entidade privada precede sempre a entidade pública. O
resultado é a prevalência de sentimentos próprios à comunidade doméstica,
naturalmente particularista e antipolítica, uma invasão do público pelo
privado, do Estado pela família, segundo a visão de Buarque de Holanda.
Desse modo nossas instituições públicas são tomadas pelos
governantes como algo de interesse próprio, com finalidades pessoais e
particulares, diferentemente do ideal da burocracia expressado por Weber.
O relacionamento que prevalece, o fisiologismo, a barganha de
cargos e todo esse espetáculo explícito de negociação e negociatas, que
facilitam benesses advindas da corrupção em detrimento do bem público, chegaram
a um estágio de indignação da sociedade, que cobra medidas que venham a coibir
a continuidade dessa prática no sentido de fazer valer o governo das leis e
instituições, resgatando a idéia propriamente republicana de coisa pública.
“A ética na política é atualmente uma bandeira social, e a
moralidade pública tornou-se um princípio da sociedade, e esta exige que a
classe política se paute por este novo padrão político”.
Amaury Cardoso