No artigo anterior, descrevi os principais
problemas que afetam o funcionamento da nossa economia, entre os quais citei a
falta de controle das contas públicas, o desarranjo fiscal, a falta de
investimentos e a redução da confiabilidade dos investidores, tanto nacionais
quanto estrangeiros, na nossa saúde econômica.
Como todo brasileiro consciente e bem-intencionado,
esperei que tão logo o ano se iniciasse, o governo tomasse medidas que pudessem
corrigir esses graves entraves à volta do nosso crescimento econômico, de uma
maneira mais segura, menos quixotesca no afã de abandonar a orientação que
garantiu a nossa estabilidade monetária, para entrar em caminhos pouco
confiáveis buscando se chegar a um crescimento irresponsável e sem uma inflação
ancorada nos parâmetros de segurança tidos como razoáveis para mantê-la sob controle.
Evidentemente que sei que as coisas não mudam num passe de mágica, pois a
natureza e a economia não dão saltos, contudo, cremos que todo início de ano é
um período no qual o governo mostra as suas intenções, no que diz respeito à
política que pretende adotar para a economia nos próximos doze meses.
Infelizmente, minhas ilusões foram prontamente
desfeitas ao me deparar com os fatos ocorridos no apagar das luzes de 2012, que
trouxeram à tona sórdidas realidades a respeito da elaboração dos dados
estatísticos referentes ao nosso desempenho econômico pelo Ministro Guido Mantega,
“melhorando” as nossas contas públicas, que colocam em xeque toda uma urgentemente
necessária recuperação da confiança na capacidade econômica brasileira. No
último dia útil de 2012, um pacote baixado pelo governo composto por dois
decretos e uma medida provisória, assinados pela Presidente da República, além
de quatro portarias assinadas pelo referido ministro; aplicou o famoso
“Jeitinho Brasileiro” para conseguir oficialmente alcançar a meta do superávit
primário em 2012 de 3,1% do PIB. Esse indecoroso pacote foi o fechamento de um
conjunto de artifícios para se mascarar essas estatísticas das contas do
governo, como a transferência de 12,4 bilhões de reais do Fundo Soberano, que é
um instrumento criado por alguns países para usarem parte de suas reservas
internacionais, com divisas vindas da venda de recursos minerais e/ou dos
royalties da sua exploração, como no caso do petróleo. Essa transferência, na
calada da noite, foi para se atingir esse percentual, mas tendo o dinheiro
entrado como se fosse oriundo de cortes de despesas do governo, ou como aumento
de arrecadação. Ardiloso, não?
Mas os acontecimentos seguem a sua dinâmica
inexorável. Durante a elaboração deste artigo, o preço da gasolina foi
reajustado em 6,6% e o do diesel em 5,4%, acabando com o preço subsidiado pelo
governo visando acalmar a inflação, que agora toma novo fôlego, uma vez que
esse aumento será repassado para o consumidor, tendo em vista que a matriz de
transporte equivocadamente adotada pelo Brasil é a rodoviária. Como se isso não
bastasse, a presidente da Petrobrás, Graça Foster, declarou que vai haver novo
aumento, ainda esse ano, que 2012 foi muito ruim para a empresa e que 2013 será
pior ainda, com a perda estimada de 6 bilhões com poços secos, aqueles não
considerados viáveis economicamente, além do aumento de importação de gasolina,
principalmente devido à falta de recursos para serem investidos em novas
refinarias, queda nos dividendos de 3,5 bilhões e um tombo no valor das ações
de 8,28%, destruindo a credibilidade e a força de uma empresa que, ao lado da
Companhia Vale do Rio Doce, era a campeã das estatais nos anos 70, possuindo
uma frota que cruzava todos os mares do planeta durante um período difícil, o
da Crise do Petróleo, iniciado em 1973 e que pensávamos que tinha acabado com o
anuncio do Pré-Sal. Cabe aqui apenas uma pergunta: onde está a autossuficiência
em combustíveis fósseis anunciada pelo governo?
Voltando às contas públicas, o governo emitiu
Títulos do Tesouro Nacional para aumentar o volume de investimentos, mas o que
de fato ocorreu foi um aumento de 600 bilhões na dívida pública, cujo valor
líquido já corresponde a 35% do PIB nacional. Ainda como fator complicador
desse quadro de insensatez generalizada que toma conta da equipe econômica do
governo, é a possível flexibilização da Lei de Responsabilidade Fiscal,
viga-mestra do caminho da estabilização econômica conseguida pelo Plano Real.
Através dessa lei os entes federativos foram forçados a manterem uma relação de
proporcionalidade entre as dívidas que contraem e a receita líquida de que
dispõem, disciplinando as despesas durante o mandato dos governantes, porque
sem fonte de receita definida não se pode contrair novas dívidas e muito menos
realizar investimentos que os seus sucessores não tenham meios para financiar.
Ao insistir na política suicida de desonerações de impostos, que pretende
executar com a alteração na lei, o governo corre o sério risco de ter que
compensar a perda de arrecadação pelo endividamento público, uma vez que não
está prevista um mecanismo de compensação para essa desoneração, fazendo
crescer mais ainda a sua dívida bruta, repetindo a mesma fórmula irresponsável
a qual nos referimos acima, que usou para capitalizar os bancos públicos e
maquiando as transferências de recursos para tal.
O absurdo da ação “maquiadora” do governo, reside
no fato dos títulos públicos terem sido emitidos para que o BNDES e a Caixa
Econômica Federal adiantassem o pagamento de dividendos à União, justificando-se
essas transferências de recursos pelo repasse à CEF, para a sua capitalização,
de ações de empresas das quais o BNDES tem participação, empresas essas que não
se enquadram nas finalidades das operações da CEF, que são o fortalecimento da
construção civil e dos investimentos em saneamento básico. O silêncio do
governo sobre a razão de tais expedientes é, no mínimo, suspeito, tendo-se em
vista que não é a primeira vez que ele se utiliza da emissão e repasse de
títulos a bancos públicos para capitalizá-los, com o retorno de parte desses
recursos na forma de dividendos. Acontece que essas capitalizações, nem um
pouco ortodoxas, não são contabilizadas como despesas primárias, levando à
criação de um “orçamento paralelo”, longe da fiscalização do congresso e,
portanto, carente de visibilidade, como quer o governo, pois existe sim uma
forma de subsídio embutido nessas operações sorrateiras, ou seja, os juros
pagos pelo Tesouro Nacional pela dívida contraída superam aqueles cobrados
pelos bancos, fazendo surgir desse modo uma fonte de gastos sem qualquer
controle, que só no ano passado chegou aos 15 bilhões. Aí reside o novo engodo
do atual governo.
Com tal descontrole fiscal, agora agravado pela
manipulação dos seus dados quantitativos, com a sobrecarga imposta aos setores
produtivos da nação pelos programas assistencialistas federais, com o aumento
no tamanho da máquina estatal que só nesse governo já criou 3000 cargos
comissionados, não é de admirar a queda nos investimentos essenciais à
manutenção do crescimento e à conseqüente expansão do PIB, bem como a contínua
existência dos gargalos que impedem a plena realização do desenvolvimento
brasileiro.
As atitudes do governo são surrealistas, pois
podemos tomar como exemplo, o fato de só muito recentemente a Presidente Dilma
ter admitido o risco de um “apagão”, fruto da inconseqüência dos dois governos
petistas que em 10 anos no poder não investiram rigorosamente NADA no setor
energético, na produção de energia limpa e na rede de distribuição de energia
elétrica, tomando as mesmas medidas emergenciais que tanto criticaram no
Governo FHC, e que seguramente custaram a seu partido a derrota nas eleições
que levou o Partido dos Trabalhadores à Presidência da República. Os efeitos
dessa incompetência estamos sentindo todos na pele atualmente.
A insensatez desse quadro o torna muito perigoso
para a nossa tão arduamente conquistada estabilidade econômica, pois o resultado
de todo esse engodo é uma significativa perda de credibilidade do nosso país
frente aos investidores estrangeiros, que tem óbvios reflexos nas decisões de
canalizar ou não investimentos para o Brasil, a médio e a longo prazos. Se não
podemos confiar na nossa contabilidade pública, então em que iremos confiar?
Nos tornaremos a nova “Argentina” da economia mundial, cujo governo está sendo
uma referência internacional quanto à manipulação dos dados referentes a sua
economia?
A sabedoria popular diz que “as boas contas fazem
os bons amigos”, porque a transparência no trato com o dinheiro é o maior sinal
de confiança que se pode ter de alguém. No caso dos países não é diferente,
pois se as contas públicas não são confiáveis, nada que o governo possa fazer o
será, dentro e fora do país. Sem as necessárias mudanças na condução da vida
econômica do Brasil, não criaremos as condições para o aporte dos investimentos
vitais à realização da modernização da nossa infraestrutura, indispensável ao cumprimento
da nossa vocação de grandeza e de bem estar para o nosso povo.
Essa é a mais dolorosa conseqüência desse
verdadeiro malabarismo fiscal, que nada mais é do que um novo engodo do atual
governo, visando manipular a opinião pública do nosso grande país.