As causas mais profundas da crise das democracias representativas contemporâneas, que tem aumentado junto a sociedade o déficit de credibilidade da representação política, por consequência enfraquecendo a democracia representativa, tem origem no desencanto da sociedade com a política institucional. De um lado, temos um sistema eleitoral com voto em listas partidárias abertas nas quais o eleitor escolhe o seu candidato ou candidata (o voto se dá no indivíduo e não no partido). De outro, embora o voto seja nominal, a conversão de votos em cadeiras no parlamento (Câmara Federal, Assembleia Estadual ou Câmara Municipal) obedece ao percentual de votos obtidos por cada partido. Ao votar em um(a) candidato(a), o eleitor(a) dá um voto ao conjunto da chapa do partido ao qual ele ou ela pertence, mesmo que não o saiba.
Tenho o entendimento de que o atual sistema eleitoral brasileiro gera uma radical desconexão entre eleitor e eleito, pelas seguintes razões:
1. A disputa entre centenas de candidatos, milhares no caso de alguns grandes Estados, torna difícil ao eleitor se informar para fazer a escolha do seu candidato, a menos que haja maior proximidade física (candidatos com forte representação em locais determinados) ou identidade partidária (pouco frequente no Brasil);
2. O tamanho do distrito eleitoral e o caráter individualizado do voto aumentam o custo das campanhas eleitorais, o que desestimula a busca por pequenas somas de doações eleitorais de pessoas físicas e contribui para afastar os candidatos e representantes do eleitor.
A ausência de conexão forte no momento eleitoral explica por que a grande maioria dos eleitores sequer se lembra do nome do candidato em quem votou, poucos meses após as eleições. Sem a retenção dessa informação básica, como acompanhar o desempenho do parlamentar? Perde-se assim o elo gerado entre o representante frente ao eleitor. Além desses problemas, o sistema adotado para as eleições proporcionais no Brasil mina a unidade e a solidez dos partidos políticos, já que estimula a competição entre os candidatos do mesmo partido. Todos somam para a legenda, mas a definição da ocupação das cadeiras que o partido proporcionalmente ocupará impõe a competição interna.
O resultado desse processo eleitoral, se traduz no fato dá governabilidade passar a depender de um delicado e sofisticado processo de construção e negociação política feito, após as eleições, em boa medida à margem do ambiente e do sentimento social produzidos pelas urnas. No meu entender, que tenho sustentado em debates e palestras que tenho participado, para lidar com esses problemas, me somo aos que percebem ser necessário a adoção do voto distrital misto ou alternativamente realizar um ajuste no tamanho dos distritos eleitorais, com a manutenção do sistema atual, proposta conhecida como voto nominal proporcional regionalizado.
Tenho o entendimento que o sistema distrital puro permite ao eleitor um controle próximo de seu representante no âmbito de um território reduzido, onde o candidato e/ou parlamentar é bastante conhecido, já que disputou um pleito majoritário contra um número pequeno de adversários. Candidatos derrotados exercem o papel de “advogados da minoria”, levantando debates sobre questões relevantes no distrito. Isso obriga o candidato/parlamentar a explicar cada voto ou posicionamento político. O deputado distrital é a encarnação e a face visível das ideias, das propostas e das ações do partido no território restrito do distrito eleitoral.
Já o voto em lista partidária permite um controle social sobre o coletivo partidário a partir das consequências de suas ideias e atitudes. A face individual da representação política, nesse sistema, não é tão visível. Prevalecem as siglas partidárias, embora dirigentes nacionais importantes sejam facilmente identificados pela população. No sistema distrital misto, há a combinação das dinâmicas do distrital puro e da lista partidária, permitindo que o eleitor acompanhe o representante distrital e também o comportamento das siglas partidárias. Trata-se de um sistema proporcional.
Em 2013, na Comissão de Estudos sobre a Reforma Política liderada pelo deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), surgiu a proposta do voto nominal proporcional regionalizado. A ideia era manter o sistema eleitoral atual, exceto na regionalização do território da disputa eleitoral. Por exemplo, em São Paulo, em vez de mais de mil candidatos competirem por uma das 70 cadeiras de deputado federal a que tem direito São Paulo, o Estado seria dividido em 10 regiões eleitorais com sete cadeiras em disputa em cada uma delas. Apesar de ter ganho simpatia, não chegou a ser pautada em plenário. A proposta se transformou no Projeto de Lei 7055/2017, mas sua tramitação não avançou.
A despeito das reformas implementadas em anos anteriores, a meu ver significou um pequeno avanço, os custos de campanhas no Brasil permanecem elevados em função do modelo de disputa previsto na legislação. Com distritos eleitorais muito populosos e extensos territorialmente e a pulverização de candidaturas gerada pelo multipartidarismo e pelo sistema proporcional de lista aberta (no caso da Câmara dos Deputados, Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais), torna-se muito difícil (e caro) para um candidato se destacar entre a multidão de adversários.
Outra realidade que confere desigualdade na disputa eleitoral está na distribuição das verbas dos fundos partidário e eleitoral no âmbito de cada partido que é bastante concentrada, conferindo uma vantagem indevida para os candidatos preferenciais contemplados pelo partido com mais dinheiro. As cotas feminina e racial, instituídas com o propósito de democratizar o acesso aos recursos partidários, não têm sido efetivas no propósito de nivelar as condições desiguais de competição eleitoral.
A combinação de um sistema eleitoral de alto custo, agravado por um financiamento predominante público de campanhas e hiper concentrado em poucos candidatos, gera barreiras muito elevadas para a entrada na política, e condições adversas de competição para - 17 - aqueles que não desfrutam de um bom relacionamento com as cúpulas partidárias, não têm patrimônio ou contatos com a elite econômica e tampouco são famosos ou representam grupos profissionais ou religiosos.
Por fim, vejo como alternativa, a manutenção do sistema proporcional de lista aberta, porém dividir cada estado em regiões (distritos) menores para os pleitos, com isso, reduzindo os custos de deslocamentos e publicidade, além de aproximar os candidatos dos eleitores locais. No que se refere à oferta, as fontes de financiamento do sistema eleitoral, o ideal seria a adoção pelos partidos de um modelo de pulverização dos recursos dos fundos partidários e eleitoral, com essa medida estimulando uma maior aproximação entre partidos e candidatos, que se traduziria em uma maior fidelização entre ambos.