Começo esse meu texto afirmando que nunca me surpreendi com o pragmatismo da política, e que essa prática vem crescendo na política contemporânea.
A disputa eleitoral deste ano para presidente da república, desde seu início, se caracterizou por uma profunda polarização inflamada entre duas candidaturas de perfis populistas e viés ideológicos antagônicos, que, infelizmente, não permitiu o avanço de uma candidatura no campo político do “Centro Progressista”, alternativa que era defendida por aqueles que não se viam representados pela continuidade do governo Bolsonaro e nem pela volta do governo petista, representada pelo seu líder Lula.
A disputa presidencial desse ano se deu de forma bastante agressiva com a utilização, de ambas as partes, de inúmeros casos de Fake News, debates baseados em troca de acusações e sem apresentação de propostas de governo sólidas e factíveis. Impossível ignorar o resultado desta eleição, onde o candidato vencedor obteve 50,90% contra 49,10% do candidato derrotado. A diferença foi 1,8%, o que corresponde a 2,1 milhões de votos, com destaque para o fato de 38 milhões de eleitores aptos deixaram de votar, ou seja, desaprovaram os dois candidatos que disputaram o segundo turno da eleição. Pelo que pesquisei, essa foi a disputa mais apertada da história política brasileira.
Este resultado revelou um país extremamente dividido ao meio, que, inevitavelmente, obriga ao presidente eleito a ter que enfrentar o seu maior desafio que é o de unir o país, o que exigirá o exercício de estratégias política bastante eficazes, não permitindo gestos de arrogância que venha atrapalhar uma aliança mais ampla, além dos partidos que o apoiaram na campanha, que objetive a eficácia de gestão e assegure a necessária governabilidade.
A sensatez do discurso da vitória do presidente eleito, que foi muito bem construído, sinaliza que ele sabe a dimensão do desafio de governar um país dividido, onde grande parcela do lado perdedor não aceita e questiona o resultado das eleições. Outra resistência a ser enfrentada será no Congresso Nacional, onde o segmento de esquerda que é minoritário, e será ainda menor na próxima legislatura em razão da força política de “Centro Direita” ter alcançado um crescimento significativo nas duas casas legislativas, o que a confere a condição de exercer uma oposição muito forte, principalmente pelo fato de ter fortes chances de ocupar a presidência na Câmara e Senado Federal.
O resultado do primeiro turno das eleições de outubro mostrou que, se Bolsonaro acabasse vencendo Lula no segundo turno, teria mais facilidade para governar no seu segundo mandato, com uma base aliada mais ampla do que vinha tendo. De fato, o eleitor deu mais cadeiras aos partidos que vêm apoiando o atual presidente da República. Mas isso não quer dizer que a vitória de Lula lhe traga dificuldades intransponíveis para construir maioria parlamentar, pois partidos e políticos prontos a abraçar a mudança de aras não faltaram e já começam a sinalizar suas intenções ao presidente eleito, o que confirma o que afirmei no início: “que nunca me surpreendi com o pragmatismo da política, e que essa prática vem crescendo na política contemporânea.”.
É claro que não cabe ingenuidade política de minha parte, pois sabemos que os cardeais (caciques adesistas) partidários de hoje são os mesmos de ontem, cujas as práticas são conhecidas, e definem suas posições de momento ao sabor de suas conveniências asseguradas pelos “espaços orçamentários” no governo de plantão. O preço dessas “parcerias” deve ser calculado! No entanto, não estou afirmando que a tendência reformista, muito ativa no governo Bolsonaro, será superada ou que a ideologia de centro-direita será enfraquecida, pelo contrário, ela continuará viva aguardando o seu momento de atuar, pois entendo também que há razões para crer que a oposição terá força, se assim desejar é claro, para barrar ao menos os projetos mais radicais que Lula e o PT desejarem colocar em prática pela via parlamentar.
Ressalto, embora em menor escala, que alguns governadores que foram eleitos fazendo oposição ao candidato Lula, poderão mesmo de forma comedida em suas posições políticas fazer oposição ou no mínimo resistências ao governo Lula em algumas unidades da federação, principalmente nas regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste onde se concentra os maiores PIBs do Brasil.
É certo que o presidente eleito Lula entendeu o recado das urnas, e reconhece o tamanho do desafio que enfrentará não só no campo político, mas principalmente neste. Contudo, não se pode menosprezar o seu grande potencial de articulação e perspicácia política. Lula sabe que essa sua inédita terceira eleição é sua grande oportunidade de limpar sua biografia e passar para a história principalmente pelo fato de ter vindo de uma condenação após responder processos judiciais por participação em atos ilícitos de corrupção, como o grande líder popular no Campo da esquerda brasileira. No entanto, isso só ocorrerá se ele conseguir realizar um governo de união de várias forças políticas, em especial as de centro e centro-direita, que o possibilite fazer uma governança de forte avanço no campo da desigualdade social, do desenvolvimento econômico e assegurador da sustentabilidade. Entendo que o grande inconveniente para Lula, que tem pressa de impor a sua marca, será o fato deste avanço só ter condições de se viabilizar de forma gradual, sem pressa, em virtude da realidade da economia nacional e mundial se apresentaram em queda para os próximos anos.
Por fim, quero deixar claro que sempre me posicionei que em uma democracia alternância de poder deve ser garantida e transcorrer com total transparência e lisura. Em decorrência dessa premissa, entendo que o processo eleitoral é essencial e faz parte da sua natureza. Toda eleição traz resultados que devem ser aceitos, principalmente quando se tem garantida à sua lisura. A saudável disputa política prevê o respeito a decisão de escolha das pessoas e, consequentemente, à vontade da maioria. Entendo que cabe ao perdedor fazer uma reflexão sobre os erros que levaram a sua derrota e buscar corrigi-los, caso seja sua intenção voltar ao jogo político e a uma nova disputa eleitoral. A rivalidade política deve ficar no campo das ideias, mesmo diante da polarização política de viés extremista.
Amaury Cardoso
Blog de artigos: www.amaurycardoso.blogspot.com.br