Está em curso em nosso país um ano de eleições nacional, e tudo indica que o processo eleitoral será disputado sem novidades aparentes que seja capaz de enfrentar a descrença e desconfiança crescentes de uma sociedade que demonstra não estar mais disposta a aceitar somente boas intenções e muito menos mentiras sinceras e encenação já saturadas de uma considerável parcela de candidatos.
A desilusão do eleitor com a insistência de muitos políticos tradicionais, ou seja, já conhecidos, em repetir promessas e compromissos com a realização de políticas públicas que não são e nem serão cumpridas têm elevado o índice de indiferença da maioria da população com a classe política, que, no meu entender, não irá se permitir tão facilmente ser manipulada pelo teatro político de muitos cujo roteiro e cenário já cansaram a plateia.
Diante dessa realidade, o que se lamenta é o risco de um número considerável da população incorrer no erro de penalizar uma parcela de políticos (candidatos) sérios, competentes e possuidores de perfil moral e ético ilibado, estes serem injustiçados pelo eleitor desinformado que erradamente, não querem ou não sabem fazer a necessária distinção. Essa realidade ocorre principalmente nas regiões onde os eleitores têm menor renda, pior nível educacional e menos acesso à informação. São esses que menos participam, porém, por serem mais afetados socialmente, são os que mais precisam participar do processo político. A falta de interesse em ter envolvimento político de setores menos favorecidos da sociedade acaba reproduzindo as desigualdades e deixando essas pessoas de fora do processo, em razão disso mais vulneráveis.
É fato que a política não interessa a todo mundo, o que pode ser visto como algo natural mesmo em democracias altamente consolidadas. Contudo, o processo eleitoral brasileiro em especial passa por um momento de afastamento dos cidadãos em relação a política, notadamente a partir das eleições de 2010.
O que se percebe é o crescimento do sentimento da antipolítica que tem se confirmado pela tendência de distanciamento dos eleitores em diferentes países, sobretudo no Brasil, em tempos recentes. Os motivos são vários, mas destaco o fato do sentimento de cada cidadão/cidadã em acreditar que a possibilidade de seu voto influenciar na mudança do sistema político vigente, que ele não acredita mais, é ínfimo. A maioria vota só porque é obrigatório.
Nossa experiência democrática ainda é recente e frágil, em razão de avanços e retrocessos que é agravado pelo frágil laço da população brasileira com as instituições partidárias, essências a democracia. Considero que nossa democracia está relativamente consolidada, embora enfrente uma situação paradoxal em virtude de 2/3 dos brasileiros, como afirmei acima, não confiarem em políticos, partidos, governos, tribunais de justiça, dentre outras instituições em menor grau. Essa percepção negativa das instituições está presente em todos os segmentos de renda, escolaridade, idade, e são responsáveis por influir na disposição dos cidadãos em participar de processos de escolha de governos, bem como revelam a grande insatisfação com o funcionamento correto da democracia. Esse cenário tem dificultado a evolução política, em especial a democracia representativa, em nosso país.
Outra grande preocupação são os conflitos institucionais entre os três poderes da república (Executivo, Judiciário e Legislativo) cujos antagonismos quase inconciliáveis, tem gerado paralisia decisória e superexposição de poderes que tem como consequência perigosas tensões que tem levado a sociedade brasileira a questionar o desempenho, contradições e ações de algumas instituições que atuam em conflito com os limites constitucionais.
Por fim, entendo ser importante destacar que a grande dificuldade que os atores políticos irão enfrentar nesta eleição será o de convencer a sociedade brasileira, em especial a população socialmente marginalizada, do porque não foi feito nada no sentido de buscar impedir o enorme aumento da população de rua em nosso país, evidenciado em especial nos grandes centros urbanos.
Inegavelmente o desemprego e a falta de moradia que colocaram nas calçadas milhões de famílias, serão os maiores desafios. É vergonhoso que tenhamos tantas pessoas na rua, famílias inteiras, com crianças, desprovidas de tudo. Um atentado a dignidade humana! É fato que a economia e o emprego sofreram forte impacto da pandemia, mas esse grave problema social vem de antes.
As pessoas em situação de rua não trabalham, vivem de bico. A maioria não consegue emprego regular, pois, além da falta de qualificação profissional da grande parcela dessas pessoas e da competição com outros empregados, se deparam com o agravante de não poderem se candidatar a um posto de trabalho por não ter residência fixa. Falta de moradia e desemprego se retroalimentam, num círculo vicioso e será o desafio do século que os atuais (prefeitos) e próximos governantes (governadores e presidente da república) não podem irresponsavelmente ignorar, se esquivando de suas responsabilidades constitucionais. Entendo a importância de haver ampliação das políticas habitacionais e de transferência de renda e que para que tal ocorra, os governantes precisam demonstrar mais empenho na execução desses programas.
Amaury Cardoso
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